
E certamente na primeira noite ao abrigo, cinco mil garotas não poderão adormecer. Na escuridão do quarto, as milhares de cabecinhas, que não souberam indagar a razão de seu abandono anterior, procurarão descobrir a troco de que se lhes dá uma casa, uma cama e comida.
Quem poderia imaginar que esse trecho foi de um texto jornalístico sobre a inauguração de um internato, chamado Cidade das Meninas, para garotas sem lar, idealizado pela primeira-dama na época, Darcy Vargas?! Intitulada Onde se ensinará a ser feliz (1941), a matéria foi assinada por uma então jovem repórter, Clarice Lispector, no jornal Diário do Povo em Campinas.
Esse tipo de linguagem poética e ficcional jamais seria permitido nos parâmetros jornalísticos hoje, mas naquela época era comum os profissionais da imprensa, geralmente egressos dos cursos de Direito. Clarice não era exceção: quando começou a exercer o jornalismo em 1940, ela cursava Direito e sobrevivia praticamente dos textos que escrevia para vários jornais. Porém, ela nunca abandonou esse lado ficcional.

A estrutura do livro mostra claramente a trajetória jornalística da autora, dividida em quatro momentos, contempla os primeiros textos na imprensa (nos jornais A Noite, Diário do Povo, Correio da Manhã e Diário da Noite e nas revistas Pan, Vamos Ler!, Dom Casmurro e Comício); depois as chamadas páginas femininas; as crônicas; o conto Triunfo (o primeiro texto de Clarice a sair na imprensa) e, por fim, as entrevistas.
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