quarta-feira, 27 de março de 2013

As Damas de Bresson


As Damas de Bresson



chamada
Diferente de todos os filmes de Robert Bresson“As Damas do Bosque de Boulogne” (1945) é um filme de olhares – literalmente – que transborda emoções pelo silêncio e revela a alma dos personagens em cada cena, em especial a da anti-heroína Hélène. Ela é interpretada pela atriz espanhola Maria Casarés, responsável por deixar os cinéfilos fascinados ao roubar a cena com suas expressões inesquecíveis. Mal recebido na época de seu lançamento, este filme é hoje considerado uma das obras-primas do cinema.

“Observe-o como eu te observo.”

Jean Marchat na pele de Jacques,
personagem amigo de Hélène



Na trama, passada na década de 40, Hélène é uma mulher bela, rica e manipuladora. Logo após uma falsa declaração de término de romance com o amante Jean (Paul Bernard), ela é abandonada pelo mesmo, que aproveita o momento e afirma que os sentimentos são recíprocos e o amor já não existe entre eles há um certo tempo, declaração que os libertaria da culpa para seguirem livres com suas respectivas vidas. Porém, ele não imaginava que ela estava blefando.
Para se vingar da humilhação, ferida, em meio a manipulações e negociações, Hélène convence a dançarina de cabaré Agnès (Elina Labourdette) a seduzir e se casar com Jean, para no dia do casamento, contar o passado da jovem ao ex-amante e humilhá-lo na frente da alta sociedade parisiense. Os cenários em que se desenrola o filme são ambientes pertencentes a luxuosa e sombria casa de Hélène e um apartamento no Bosque de Boulogne, conhecido como o pulmão da França, local onde a anti-heroína instala a dançarina para morar.

“Que sejam os sentimentos que tragam os acontecimentos. Não o contrário.”

Robert Bresson



Inspirado em um dos capítulos do romance “Jacques, o Fatalista, e o Seu Mestre”, de Denis Diderot, com diálogos escritos por Jean CocteauBresson manifesta a vontade de conseguir exprimir, no cinema, o interior de um sentimento, de uma emoção verdadeira e uma ideia constante – no caso de “As Damas do Bosque de Boulogne”, a vingança.
Uma curiosidade: não é estranho que esse filme seja chamado de “Perfídia” na Itália, que em bom português – e até mesmo no italiano – significa traição, sem lealdade. Isso pode remeter tanto ao contexto de Jean, que era o amante; ao de Agnès, que entra no jogo por interesse financeiro e mudança de vida; ou mesmo ao da própria Hélène, que se sentiu traída pelo amado.

“Eu terei a minha vingança.”

Hélène (em francês soa mais maléfico/elegante)



Antes que façam um juízo equivocado da protagonista, aqui se faz necessária uma explicaçãozinha do por que Hélène é uma anti-heroína: anti-heroínas não são, necessariamente, frias e calculistas, são apenas mulheres que fogem ao padrão convencional das mocinhas do cinema e literaturas romantizadas. Hélène, não por acaso, carrega o nome da Helena da Grécia – ou melhor, Helena de Tróia -, que desencadeou uma guerra quando decidiu fugir com seu amante, protagonizando uma das maiores tragédias da era greco-romana: “A Guerra de Tróia”. E isso é apenas um exemplo.
Deixando a divagação de lado, Bresson teve formação em pintura – antes de pertencer ao cinema, ele foi artista plástico – e vislumbrava uma abstração formal, recusava as ostentações da sétima arte para tentar mostrar, a sua maneira, um filme que se conta pelos corpos, gestos e objetos, mantendo sua admiração pelo melodrama. Por este motivo foi considerado moderno, sendo tais características distintas nos filmes posteriores, mais práticos e diretos.
O mestre francês presenteia o público com esse clássico inesquecível que mantem a qualidade de um bom filme, com belas interpretações (proporcionando ao público o prazer em assistir um drama romântico com ternura e atenção, sem ter interpretações exageradas, com soluços e gritarias), um ótimo roteiro, uma rigorosa e deslumbrante direção de arte e fotografia, sob cuidados de Philippe Agostini, recebendo elogios até mesmo do cineasta, não menos lendário, François Truffaut.
Os temas apresentados também contribuem bastante para esta obra-prima permanecer entre as melhores do diretor, pois são atemporais, como a traição, a vingança e o próprio amor – neste caso, salvo engano. Como disse uma professora de cinema francês, “As Damas do Bois de Boulogne” é a história de um amor que existe de uma forma que não deveria ser, e talvez por isso – e pelos sentimentos à flor da pele, muitas vezes contidos -, permaneça por tempo indeterminado em nosso imaginário.



ATENÇÃO: TEXTO PUBLICADO NO CINESPLENDOR. NO QUAL FUI COLUNISTA.

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