domingo, 24 de março de 2013

Cinema Bressoniano: A Vida Como Ela É


Cinema Bressoniano: A Vida Como Ela É



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Um homem que filmou a vida e vislumbrou minutos de eternidade nas ações mais simples do cotidiano. É assim que se pode definir um dos maiores cineastas de todos os tempos, um artista que se serviu da câmera a fim de criar obras-primas e assim o fez durante toda a sua vida. No retorno da coluna “Os Incompreendidos”, em um passeio pela França, é a ele que iremos nos reportar: Robert Bresson.

“Bresson é o cinema francês assim como Dostoiévski é a literatura russa e Mozart é a música alemã.”

Jean-Luc Godard, 2008



Nenhuma afirmativa é tão justa e correta quanto esta acima, pertencente ao cineasta vanguardista franco-suíço Jean-Luc Godard a respeito de outro gênio da sétima arte. Bresson era perfeccionista, católico jansenista e pensava na imagem dos filmes como uma pintura. Preparava cuidadosamente suas obras, criando “leis de ferro” – ou melhor, sua própria lei para o processo de criação. Filmou apenas treze longas em quase meio século, e talvez por isso, muitas vezes, tenha sido incompreendido pelo grande público, embora reconhecido pela crítica.
Assistir a filmes de Robert Bresson é uma oportunidade única para se repensar o cinema como um todo, mas esta assertiva não é para assustar ou intimidar, sim para glorificar seu desempenho. Como um dos criadores de uma nova linguagem na sétima arte, bastante rigoroso, o diretor defendia que o cinema não era teatro filmado e nem aquele que se serve da câmera a fim de reproduzir, mas sim uma revelação, uma representação da realidade, uma manifestação divina da vida, mostrando como ela é de uma forma única e verdadeira.
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É possível afirmar que o cineasta, filósofo e também artista plástico era minimalista (apesar de nunca ter se considerado um, ou mesmo se encaixado em alguma escola que não seja a dele mesmo), por perseguir um método próprio de exigência, sofisticação e cuidado com cada elemento na composição de um filme – como por exemplo, os atores e “modelos” (como chamava os atores que não eram profissionais), que para ele deveriam ser, não parecer ou interpretar um personagem. A verdade das pessoas deveria predominar.
Bresson exigia ainda neutralidade expressiva, e era o que realmente importava. O minimalismo traça, por exemplo, uma linha ou um ponto, fazendo voltas em torno desse símbolo.

“Modelos. O modo deles serem as pessoas do seu filme é ser eles mesmo, permanecer o que eles são.”

Robert Bresson, 2008



Cineasta por excelência, hoje faz parte de uma seleta lista de diretores que são considerados como a principal força criativa na realização de seus longas – ou seja, o cinema de autor -, e o fundamento principal dessa teoria é que o diretor, por ter uma visão global do áudio e imagens do filme, deve ser considerado mais o autor da película do que o responsável pelo roteiro. Assim, são as tomadas de câmera, a iluminação e todos os outros elementos escolhidos pelo diretor que definem os significados expressos no filme, mais até do que o roteiro.
O cinema Bressoniano é assim: único e autoral. O “movimento” teve início em 1934 com “Les Affaires Publiques“, um curta de comédia, caso raro em sua carreira. Seu primeiro longa-metragem, “Anjos do Pecado” (1943), foi rodado após o diretor passar mais de um ano preso num campo de detenção alemão, durante a Segunda Guerra Mundial, fato que também é evocado no filme “Um Condenado à Morte Escapou”, de 1956.
Um clássico do diretor, que talvez seja o único no qual ele usou um artista realmente conhecido, é “As Damas do Bois de Boulogne”, de 1945. Neste longa, o mestre presenteia o público com a interpretação inesquecível de María Casares (1922-1996), atriz espanhola que nos proporciona momentos eternos de uma verdadeira naturalidade feroz, impregnada em todas as cenas, em seu olhar, nos detalhes e lugares doBosque de Boulogne.
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De todas as artes, o cineasta francês era mais ligado à pintura e imagem, do que literatura e música. Ele acreditava que a música no cinema deturpava o drama como se fosse uma droga. Em seus longas é possível notar que não há trilha sonora. “O Processo de Joana d’Arc” (1963) é um exemplo bem característico do cinema Bressoniano: não há trilha musical e a atriz que interpreta a protagonista não era um rosto famoso na época.
Em 1975 o cineasta publicou um livro intitulado “Notas sobre o Cinematógrafo”, uma coletânea de anotações e aforismos próprios, nos quais defende seu ponto de vista sobre a sétima arte. O cinema Bressoniano também inspirou o movimento Dogma 95 – no qual há 10 regras para a produção de filmes, como: não usar cenários, não usar banda sonora, usar apenas câmara de ombro etc. -, e é grande influência dos dinamarqueses Lars Von Trier e Thomas Vintenberg, responsáveis por “Melancolia” (2011) e “A Caça” (2012, inédito no Brasil), respectivamente.
As obras de Robert Bresson tem esse poder transformador na mente do cinéfilo, deixam marcas, seja através de um simples olhar ou um fato histórico que se torna brilhante em sua abordagem natural na tela do cinema. Em 1995, o cineasta recebeu o prêmio René Clair, da Academia Francesa, pelo conjunto de sua obra, falecendo 4 anos depois de causas naturais. Seu legado, entretanto, continua inspirando amantes do cinema no mundo todo.

ATENÇÃO:

TEXTO PUBLICADO NO SITE CINESPLENDOR. 



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