segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Chegadas e Partidas | Dezembro de 2012


Chegadas e Partidas | Dezembro de 2012


Procuro uma alegria
uma mala vazia
do final de ano
e eis que tenho na mão
- flor do cotidiano -
é voo de um pássaro
é uma canção.


Carlos Drummond de Andrade, 1968




O verso presente no início desta publicação foi tirado de um dos Poemas de Dezembro de Carlos Drummond de Andrade, poeta brasileiro que retratou de uma forma simples e reveladora, este mês que encanta gerações e transcende espiritualidade. No cinema não seria diferente, houve algumas perdas e uma entrada que vai com certeza transcender gerações.
3Estreou este mês nas telonas o filme “As Aventuras de Pi” (2012), baseado no romance “A Vida de Pi”, de Yann Martel. O longa é dirigido pelo ganhador do Oscar Ang Lee, e conta a história de Pi, jovem que sofre um naufrágio e vive algumas aventuras, dividindo o bote salva-vidas com um tigre. A produção traz como protagonista o jovem ator indiano Suraj Sharma, de 19 anos, que segundo próprio Lee, foi selecionado pelos seus olhos expressivos e uma aparência de jovem inocente, assim como o protagonista. Há inúmeras críticas positivas ao trabalho do rapaz, que pode consolidar-se caso invista nos projetos certos.
Mas nem só de chegadas vive a sétima arte. No dia 20 deste mês faleceu, por decorrência de um câncer, a atriz brasileira Thelma Reston. Aos 73 anos, Reston atuou em teatro, televisão e cinema, mídia na qual participou de 40 produções, entre elas, “Terra em Transe” (1967) de Glauber Rocha, O “Homem Nu”(1968 / 1997), “Lua de Cristal” (1990), “Brás Cubas” (1985) e “O Vampiro de Copacabana” (1976), porém o personagem que lhe cedeu verdadeira notoriedade foi Dona Aracy, a Gorda de “Os Sete Gatinhos”(1980), filme brasileiro dirigido por Neville d’Almeida, que por sua vez contou com roteiro baseado em uma obra da mente brilhante e incompreendida de ninguém menos que Nelson Rodrigues.
1Nos palcos, Thelma interpretou várias personagens do escritor, em peças como “Bonitinha, mas ordinária”“Vestido de noiva”. O dramaturgo era admirador do trabalho da atriz e dizia que “uma predestinação” levava a atriz para sua obra.
Mesmo com um currículo bastante extenso para parâmetros em participação em filmes nacionais, a atriz é mais conhecida por seus papéis hilários e interpretações nas novelas da Tv Globo, onde estreou como Arminda, na primeira versão de “Gabriela”(1975). Seu último papel foi como Dona Violante, a ladra da novela “Aquele Beijo”, na mesma emissora.
Outra perda brasileira foi a do ator, diretor e roteirista Jota Pingo, que faleceu aos 66 anos na noite do dia 1°, em Brasília, devido a uma parada cardíaca. Pingo é pseudônimo de Carlos Augusto de Campos Velho, um dos nomes chaves da cultura brasiliense. Natural de Porto Alegre (RS), ele estava radicado na cidade há mais de 30 anos. Sua participação no cinema ocorreu através do documentário chamado “Rock Brasília”(2011), no qual fala-se como foi a descoberta de Renato Russo na cena musical brasileira. Além disso, ele participava bastante de Festivais de cinema ao redor do país e era um agitador cultural de primeira. O Brasil realmente perde muito com a partida de Pingo.
2
Na Europa, mais precisamente em Roma, na Itália, o produtor de cinema erótico Riccardo Schicchi morreu, aos 60 anos, por causa de uma complicação da diabetes que sofria, no dia 10. Foi ele quem descobriu as estrelas de filme pornô: Cicciolina, Moana Pozzi e o ator Rocco SiffrediSchicchi nasceu na Sicília em 1952, era fotógrafo, mas bastou um encontro com a atriz pornô húngara Ilona Staller (Cicciolina), para o mesmo mudar de carreira e se dedicar ao mundo do cinema.
Com a artista húngara fundou em 1983 a agência “Diva Futura”, dedicada a lançar à fama modelos e atrizes no mundo do erotismo, como Moana Pozzi e Jessica Rizzo. Duas curiosidades realmente chamam a atenção em sua carreira: o produtor criou o chamado Partido do Amor, com quatro atrizes pornôs como candidatas ao parlamento – embora em vão, visto que não conseguiu nenhuma cadeira – e, posteriormente, foi condenado, em primeira instância, no ano de 2006, por associação criminosa e instigação à prostituição, sendo detido em 2008 e liberado pouco depois após pagar uma multa de 800 euros pelos mesmos delitos. Nada muito feliz.
4
Fazendo um balanço geral, o cinema teve muito mais perdas irreparáveis do que novidades que chegaram em 2012. É imprescindível ao cinéfilo ou amante da sétima arte que se tenha paciência e perspicácia para não deixar passar nada aos olhos, mesmo isso sendo quase impossível, quando se trata de criticar – construtivamente ou negativamente – um longa. O importante é saber ser justo, algo praticado na“Chegadas e Partidas”.
Para encerrar a última edição da coluna em 2012, segue abaixo um vídeo da participação de Jota Pingo no documentário citado.


atenção: texto redigido para cinesplendor em 2012

domingo, 30 de dezembro de 2012

A Psique do Autor - Um reflexão do centenário de “A Metamorfose” de Franz Kafka

Nem sempre a natureza humana é apresentada de uma forma boa e compreensível. Muitas vezes ela chega a ser repulsiva, desprezível, pessimista e até mesmo desumana em algumas obras literárias e é assim que Franz Kafka (1883-1924) presenteia o mundo com uma das maiores histórias já lidas pelo homem,  A Metamorfose, que em 2012 completa 100 anos. Traz à tona a alma humana, sempre cheia de conflitos existenciais, angústias e preocupações. 

A obra narra a atormentada história de Gregor Samsa, um caixeiro-viajante que se vê obrigado a suportar todas as despesas da família, e que certa manhã, ao acordar para o trabalho, constata que se transformou num inseto. 

Trecho: "Numa manhã, ao despertar de sonhos inquietantes, Gregor Samsa deu por si na cama transformado num gigantesco inseto. "


De início, as suas preocupações giram em torno da impossibilidade de cumprir as obrigações profissionais e manter o sustento da família, mas perante a repulsa familiar (com exceção da irmã, que apenas no início, o alimenta), Gregor Samsa inicia um complexo processo interior de metamorfose, que o conduz a uma análise do seu contexto familiar e social.  Em nenhum momento, Samsa se questionou do por quê daquela transformação.

No decorrer da narrativa, todos recusam ajudar Samsa, remetendo-o à sua solitária agonia e diante deste cenário, uma nova metamorfose acontece: o pai, a mãe e a irmã voltam a trabalhar e a família decide buscar um futuro onde não existe lugar para o personagem principal, sendo ele na visão da família um monstro repugnante. 
Em um determinado trecho do livro, o protagonista pensa que a sua morte poderia ser uma alívio par todos, até para si mesmo.

"Esse sacrifício e transformação na própria carne para salvar o outro, mesmo que às vezes sem se dar conta disso, aparece de forma extrema na “Metamorfose”. Assim, podemos nos questionar sobre qual é o real valor do ser humano perante a sociedade e até mesmo perante os seus." (FARINA, 2007)

Alguns críticos afirmam que o livro tem senso autobiográfico e psicológico do autor Franz Kafka, quando trata do pai de Samsa, o qual é rígido, opressor e até mesmo bruto (quando expulsa o filho da sala, atirando maçãs nele). Sabe-se que a relação de Kafka com o pai Hermann Kafka não era das melhores e isso foi tratado também em seu outro livro: "Carta ao Pai" (1919), quando declara que se sentiu profundamente afetado pelo autoritarismo do mesmo.

O clássico é uma metáfora sobre o absurdo da condição humana, num espetáculo que explora na narrativa uma visão sombria, porém verdadeira da natureza humana, pois enquanto Samsa que virou um inseto, sente intensamente as ações (possui sentimentos verdadeiramente humanos) a sua família (que "estão" humanos), cada vez mais se tornam desumanos com a condição daquele que os sustentava. 

Talvez, também seja possível entender essa metamorfose do homem em animal como uma perda de identidade. Por isso, "A Metamorfose" é um dos clássicos mais fantásticas de Franz Kafka e da literatura do século XX.  É uma obra-prima que transpassou um século e continua atormentar e gerar reflexão sobre a natureza humana. 



segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

E Quem precisa de Natal?! O Grinch




E o Grinch sorria malevolente este malvado e o casaco de papai-noel ele havia criado. O malévolo ria imaginando como seria a travessura que o Grinch aprontaria...”


Sarcástico, inteligente, emocionante, criativo e com uma belíssima produção orçada em 123 milhões de dólares, O Grinch é um verdadeiro clássico de natal no qual critica o consumismo natalino sem ser piegas. O filme é baseado no livro infantil de 1957, "Como o Grinch roubou o natal" (Cia das Letras, 2000) de Dr. Seuss e o diretor Ron Howard (Apollo 13) sabia muito bem o que queria quando levou a obra para o cinema e apresentou o Jim Carrey no papel principal.



A história se passa no reino da Quemlândia (Whoville), lugar onde todos têm adoração pelo Natal, menos uma menininha chamadaCindy (Taylor Momsen) e o rabugento Grinch (Jim Carrey), uma criatura verde e peluda que vive isolada no topo de uma montanha. Cindy não compreendia o motivo de toda a festividade e presentes, já o Grinch possui uma história muito própria para contar e que o leva a roubar o Natal sem mesmo entender o verdadeirosentido dele.

O roteiro foi realizado por Jeffrey Price (Uma Cilada Para Roger Rabbitt) para que deixasse o filme mais atraente a toda família. Algumas situações que não constavam no livro foram acrescentadas e a sátira aos próprios clichês do cinema, como a cena onde o Grinch foge de uma explosão, remetendo ao “clássico”Duro de Matar. Além disso, a direção de arte é fantástica quando apresenta cores natalinas fortes e sombrias, penteados estranhos, carros que parecem de brinquedo e os humanos com cara de ratos, um mundo bem inusitado narrado por nada menos que Anthony Hopkinsou por Antônio Fagundes no Brasil.



A tentativa do Grinch de evitar que o Natal chegasse ao reino (ele literalmente tirou tudo que remetia a festa) não deu certo, pois mesmo sem presentes e decorações, o Natal chegou a Quemlândia. E assim, o Grinch pensou em algo que ainda não tinha pensado: “Talvez o Natalnão se compre no mercado, talvez o natal possa ter muito mais significado.”.

Com o humor e frases rimadas do Dr. Seuss, somado as facetas divertidíssimas de Jim Carrey, o filme traz, como em qualquer conto natalino a lá Dickens, uma lição de moral, neste caso questionando o consumismo excessivo e a incompreensão do ser humano quanto à data,levandoo espectadordas lágrimas ao riso, trazendo sim, o verdadeiro significado do Natal que chega a qualquer pessoa, indiferente do credo, da raça e da condição social.