sábado, 30 de março de 2013

Todos contra Joana d’Arc: O Falso Processo de uma Santa


Todos contra Joana d’Arc: O Falso Processo de uma Santa

CHAMADA
Extremamente digna, de fé inabalável e na defesa de sua integridade como pessoa humana. É assim queRobert Bresson apresenta a jovem e corajosa Joana d’Arc no indispensável e belíssimo filme “O Processo de Joana d’Arc“, de 1962.
É indiscutível a importância histórica de Joana d’Arc para o mundo, em especial para Europa. Ícone da religião católica, a Santa Padroeira da França ganhou inúmeras manifestações artísticas sobre sua vida, tanto que a sétima arte tomou posse e realizou incansáveis filmes sobre ela. No entanto, este de Bresson é o que mais se aproxima do verdadeiro processo que levou à fogueira a Santa Guerreira.
O filme conta em detalhes partes do processo que julgou e condenou Joana d’Arc em 1431. Para tanto,Bresson teve acesso aos textos autênticos do processo, a minuta de condenação do mesmo e também recolheu depoimentos e testemunhos do processo de reabilitação que aconteceu vinte e cinco anos depois do ocorrido. Assistir a filmes de Robert Bresson é uma oportunidade única para se repensar o cinema como um todo, e quando ele decidiu falar sobre a Donzela de Orléans, fez de uma forma única e genial.

“Bresson é um objeto estranho dentro da história do cinema…”

Luiz Oricchio, em depoimento nos extras do filme



Por mais que seja de conhecimento geral que o julgamento era uma farsa – pois havia interesse político acima da fé – vamos aos fatos: a França estava em guerra contra Inglaterra – a Guerra dos Cem Anos – que estava dominando o país e Joana ajudava a França a se levantar. Os franceses pró-Inglaterra, prenderam-na, acusaram-na de bruxaria e mais tarde venderam-na para os ingleses. Motivo? Por vencer batalhas, vestida com roupas de homem, e afirmar ouvir vozes da Santa Catarina, Santa Margarida e São Miguel.
Sendo assim, a qualquer preço ela tinha que morrer para acabar de vez com a fama de santa, que naquela época já se espalhara. Foi levada à fogueira por heresia.

“O processo é uma farsa, sem defensor, nem conselheiro.”

Padres, no filme



Quando o filme começa, Joana está presa a meses no Castelo de Rouen e é testada de todas as formas possíveis, desde tortura psicológica a pessoas vigiando-a 24h, sendo interrogada dia após dia. Ela se defende com palavras – e uma extrema fortaleza moral na defesa das ideias e de sua fé – às acusações levantadas pelos juízes de Rouen, pois não tinha conselheiro e nem defensor. O que a confortava eram as vozes das santas e anjos, que não são ouvidas por quem está assistindo o longa – o espectador só tem conhecimento disso através das afirmações da jovem.
Fiel à linha de pensamento do cinema Bressoniano, o filme é breve e intenso. Em seus poucos 65 minutos de duração, não possui muitos recursos cinematográficos, como cenários – o longa se reveza entre o quarto onde Joana está aprisionada, a sala de julgamento e, mesmo no final, a praça pública onde Joana será queimada. Não há uma trilha sonora, e sua protagonista é uma atriz não profissional, ou melhor, uma modelo, como o diretor chamava Florence Delay, que realmente encanta ao interpretar e toma para si este papel de tamanha importância no cinema.

“Roteiro e recorte de cenas acabam problematizando as ideias cinematográficas do diretor, como, por exemplo, sua concepção particular de cine-escritura e de modelo em oposição a ator. Centrado no processo da condenação de Joana, o roteiro recompõe as palavras entoadas, mas que não tinham sido ouvidas.”

Lucas de Castro Murari, em artigo da Faculdade de Artes do Paraná



Uma das cenas memoráveis do longa traz Joana sendo levada no meio da multidão que clama a sua morte. Nela Bresson mostra/filma apenas os pés da jovem a caminho da fogueira, na Praça do Mercado Vermelho, em maio de 1431. Talvez esta seja a cena que defina todo o filme, pois o pé designa igualmente o fim, posto que sempre na caminhada, o movimento começa pelo pé e termina pelo pé, e além disso, pode significar também o livre-arbítrio que Joana escolheu seguir com seu martírio, um símbolo de consolidação e uma forma de poder.
O objetivo de Robert Bresson era buscar o poder da verdade em seus filmes e em “O Processo de Joana d’Arc” ele conseguiu. A figura humana é exposta numa situação limite – enfrentar a morte não é fácil, nem mesmo para uma moça praticamente santa de apenas 19 anos – enquanto mostra a luta do indivíduo contra um poder maior que o dele e como se portar diante desse poder. Tudo isso faz este filme ser indispensável, atemporal e inesquecível para qualquer pessoa. Bresson foi realmente um pensador do cinema.

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