Chegadas e Partidas | Dezembro de 2012

Procuro uma alegria
uma mala vazia
do final de ano
e eis que tenho na mão
- flor do cotidiano -
é voo de um pássaro
é uma canção.
Carlos Drummond de Andrade, 1968
O verso presente no início desta publicação foi tirado de um dos Poemas de Dezembro de Carlos Drummond de Andrade, poeta brasileiro que retratou de uma forma simples e reveladora, este mês que encanta gerações e transcende espiritualidade. No cinema não seria diferente, houve algumas perdas e uma entrada que vai com certeza transcender gerações.
Estreou este mês nas telonas o filme “As Aventuras de Pi” (2012), baseado no romance “A Vida de Pi”, de Yann Martel. O longa é dirigido pelo ganhador do Oscar Ang Lee, e conta a história de Pi, jovem que sofre um naufrágio e vive algumas aventuras, dividindo o bote salva-vidas com um tigre. A produção traz como protagonista o jovem ator indiano Suraj Sharma, de 19 anos, que segundo próprio Lee, foi selecionado pelos seus olhos expressivos e uma aparência de jovem inocente, assim como o protagonista. Há inúmeras críticas positivas ao trabalho do rapaz, que pode consolidar-se caso invista nos projetos certos.
Mas nem só de chegadas vive a sétima arte. No dia 20 deste mês faleceu, por decorrência de um câncer, a atriz brasileira Thelma Reston. Aos 73 anos, Reston atuou em teatro, televisão e cinema, mídia na qual participou de 40 produções, entre elas, “Terra em Transe” (1967) de Glauber Rocha, O “Homem Nu”(1968 / 1997), “Lua de Cristal” (1990), “Brás Cubas” (1985) e “O Vampiro de Copacabana” (1976), porém o personagem que lhe cedeu verdadeira notoriedade foi Dona Aracy, a Gorda de “Os Sete Gatinhos”(1980), filme brasileiro dirigido por Neville d’Almeida, que por sua vez contou com roteiro baseado em uma obra da mente brilhante e incompreendida de ninguém menos que Nelson Rodrigues.
Nos palcos, Thelma interpretou várias personagens do escritor, em peças como “Bonitinha, mas ordinária”e “Vestido de noiva”. O dramaturgo era admirador do trabalho da atriz e dizia que “uma predestinação” levava a atriz para sua obra.Mesmo com um currículo bastante extenso para parâmetros em participação em filmes nacionais, a atriz é mais conhecida por seus papéis hilários e interpretações nas novelas da Tv Globo, onde estreou como Arminda, na primeira versão de “Gabriela”(1975). Seu último papel foi como Dona Violante, a ladra da novela “Aquele Beijo”, na mesma emissora.
Outra perda brasileira foi a do ator, diretor e roteirista Jota Pingo, que faleceu aos 66 anos na noite do dia 1°, em Brasília, devido a uma parada cardíaca. Pingo é pseudônimo de Carlos Augusto de Campos Velho, um dos nomes chaves da cultura brasiliense. Natural de Porto Alegre (RS), ele estava radicado na cidade há mais de 30 anos. Sua participação no cinema ocorreu através do documentário chamado “Rock Brasília”(2011), no qual fala-se como foi a descoberta de Renato Russo na cena musical brasileira. Além disso, ele participava bastante de Festivais de cinema ao redor do país e era um agitador cultural de primeira. O Brasil realmente perde muito com a partida de Pingo.

Na Europa, mais precisamente em Roma, na Itália, o produtor de cinema erótico Riccardo Schicchi morreu, aos 60 anos, por causa de uma complicação da diabetes que sofria, no dia 10. Foi ele quem descobriu as estrelas de filme pornô: Cicciolina, Moana Pozzi e o ator Rocco Siffredi. Schicchi nasceu na Sicília em 1952, era fotógrafo, mas bastou um encontro com a atriz pornô húngara Ilona Staller (Cicciolina), para o mesmo mudar de carreira e se dedicar ao mundo do cinema.
Com a artista húngara fundou em 1983 a agência “Diva Futura”, dedicada a lançar à fama modelos e atrizes no mundo do erotismo, como Moana Pozzi e Jessica Rizzo. Duas curiosidades realmente chamam a atenção em sua carreira: o produtor criou o chamado Partido do Amor, com quatro atrizes pornôs como candidatas ao parlamento – embora em vão, visto que não conseguiu nenhuma cadeira – e, posteriormente, foi condenado, em primeira instância, no ano de 2006, por associação criminosa e instigação à prostituição, sendo detido em 2008 e liberado pouco depois após pagar uma multa de 800 euros pelos mesmos delitos. Nada muito feliz.

Fazendo um balanço geral, o cinema teve muito mais perdas irreparáveis do que novidades que chegaram em 2012. É imprescindível ao cinéfilo ou amante da sétima arte que se tenha paciência e perspicácia para não deixar passar nada aos olhos, mesmo isso sendo quase impossível, quando se trata de criticar – construtivamente ou negativamente – um longa. O importante é saber ser justo, algo praticado na“Chegadas e Partidas”.
Para encerrar a última edição da coluna em 2012, segue abaixo um vídeo da participação de Jota Pingo no documentário citado.
atenção: texto redigido para cinesplendor em 2012









Mas acabam-se as novidades e é chegado o momento das despedidas. Como não poderia deixar de ser, vamos aos nomes que marcaram a história do cinema e deixaram a arte em luto neste mês. O primeiro deles, para o Brasil talvez um dos cineastas mais ativos do momento, foi o paulistanoMarcos Paulo, aos 61 anos. Marcos faleceu no dia 12, de embolia pulmonar. Ele voltava de uma participação no aclamado Amazonas Film Festival, no qual havia sido premiado.








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O mês de outubro contou com inúmeras perdas para o cinema, principalmente na categoria diretor. Uma dessas perdas ocorreu devido ao falecimento de Claude Pinoteau, aos 87 anos, em Paris. O cineasta francês começou sua carreira no final da década de 40, como assistente de direção. Seu primeiro longa foi lançado em 1973, sob o título de “Les Silencieux”, seguido, no ano seguinte, por “La Gifle”, protagonizado pela então desconhecida atriz Isabelle Adjani. Mais tarde, já em 1980, rodou “La Boum”, uma comédia que lançou a atrizSophie Marceau ao estrelato.
Outra perda bastante significativa foi a de Octavio Getino, espanhol que vivia na Argentina, referência em filmes políticos e sociais. Getino faleceu aos 77 anos, por decorrência de câncer. Um dos fundadores do Grupo Cine Liberación, responsável pela utilização do cinema como ferramenta política, em 1969 filmou o documentário “La hora de los Hornos”, no qual abordou o imperialismo na América Latina.
A respeito de partidas do núcleo de atores, foram poucas. Dentre elas, aos 77 anos, Alex Karras, em decorrência de um câncer. Ex-jogador de futebol americano do Detroit Lions e comentarista de um programa de tv, Karras enveredou em 1970 para carreira de ator, participando de filmes de comédia e musicais como “Victor ou Victoria” (1982), dirigido por Blake Edwards (“Bonequinha de Luxo”, de 1961) e contracenando com Julie Andrews , protagonista da produção. Outra obra que contou com sua presença foi “Porky’s – A Casa do Amor e do Riso” (1982), longa que influenciou roteiristas de gênero comédia para adolescentes, porém o ator ganhou fama mesmo ao participar da série “Webster“, exibida de 1983 à 1989 na televisão americana. Entre outros créditos estão alguns livros sobre sua vida como atleta e astro de tv.
Do núcleo brasileiro uma perda representativa foi a de Regina Dourado, conhecida por vários papéis de destaque na teledramaturgia global, como a dona Lucilene, mulher de Salgadinho na novela “Explode Coração” (1995). A atriz faleceu em decorrência de um câncer, aos 59 anos, mas também deixou sua contribuição para o cinema nacional, como sua participação no filme “Amante Latino“, de 1979, no qual interpretava uma cigana dançarina, e sua estreia, em 1984, em “Baiano Fantasma“. Dourado chegou a ganhar um prêmio da crítica no Festival de Gramado, pelo longa “Tigipió – Uma Questão de Amor e Honra”, de 1986, e já na década de 90 atuou em “Corisco e Dada“, “No coração dos Deuses” e “Corpo de Delito”, vencedor do prêmio Sesc – São Paulo.
Mas vamos encerrar as histórias tristes e despedidas singelas, pois os novos talentos do cinema merecem o seu espaço e alguns até são promessas para a sétima arte nos próximos anos. Uma das possíveis futuras estrelas é a búlgara Nina Dobrev, famosa pela ex-humana e recém-vampira Elena Gilbert da série de sucesso “The Vampire Diaries”. Nina pode ser vista nos cinemas através de sua participação especial no filme “As Vantagens de Ser Invisível” (2012), do autor e diretor Stephen Chbosky. O papel da atriz é secundário e bem diferente da série, mas estritamente importante na vida do protagonista: ela dá vida a Candace, irmã mais velha do problemático Charlie (Logan Lerman), que oferece uma nova perspectiva para o irmão se tornar bem diferente.
E no Brasil, mais precisamente no nordeste, também temos nosso destaque: Nivaldo Expedito de Carvalho, mais conhecido por Chambinho do Acordeon. Agora ator, Nivaldo é interprete da versão de Gonzagão no auge da popularidade no filme“Gonzaga – de Pai para Filho”. Ele foi escolhido entre mais de cinco mil candidatos e apesar da grande responsabilidade de interpretar o rei do baião em seu primeiro papel, não deixa a desejar – embora também não impressione.