quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Clarice Lispector: a estranheza entre ser Escritora e Jornalista – Parte I

Que ninguém se engane, dona Clarice Lispector sabia o que queria, ou melhor, o que escrevia, mesmo antes e até depois de ser considerada a escritora mais misteriosa do século XX, segundo o Nobel Orhan Pamuk.  Não há uma assertiva da escritora mais correta quanto essa: “A palavra é o meu domínio sobre o mundo”. Renda-se à Clarice como me rendi. Leia com bastante atenção o texto abaixo:
 E certamente na primeira noite ao abrigo, cinco mil garotas não poderão adormecer. Na escuridão do quarto, as milhares de cabecinhas, que não souberam indagar a razão de seu abandono anterior, procurarão descobrir a troco de que se lhes dá uma casa, uma cama e comida.
 Quem poderia imaginar que esse trecho foi de um texto jornalístico sobre a inauguração de um internato, chamado Cidade das Meninas, para garotas sem lar, idealizado pela primeira-dama na época, Darcy Vargas?! Intitulada Onde se ensinará a ser feliz (1941), a matéria foi assinada por uma então jovem repórter, Clarice Lispector, no jornal Diário do Povo em Campinas.
Esse tipo de linguagem poética e ficcional jamais seria permitido nos parâmetros jornalísticos hoje, mas naquela época era comum os profissionais da imprensa, geralmente egressos dos cursos de Direito. Clarice não era exceção: quando começou a exercer o jornalismo em 1940, ela cursava Direito e sobrevivia praticamente dos textos que escrevia para vários jornais. Porém, ela nunca abandonou esse lado ficcional.
No final do mês de novembro, a Editora Rocco lançou mais um volume da coleção Clarice na Cabeceira – Jornalismo (240 páginas), organizado pela pesquisadora Aparecida Maria Nunes. O livro reúne entrevistas e textos inéditos, como a primeira entrevista que Clarice Lispector realizou, em 1940, com o poeta católico Tasso da Silveira, e a última, em 1977, com a artista plástica Flora Morgan Snell.
A estrutura do livro mostra claramente a trajetória jornalística da autora, dividida em quatro momentos, contempla os primeiros textos na imprensa (nos jornais A Noite, Diário do Povo, Correio da Manhã e Diário da Noite e nas revistas Pan, Vamos Ler!, Dom Casmurro e Comício); depois as chamadas páginas femininas; as crônicas; o conto Triunfo (o primeiro texto de Clarice a sair na imprensa) e, por fim, as entrevistas.

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